2020

“Eu vou sentir saudades deste ano” – me disseste dia desses em uma das nossas intermináveis conversas ao pé do ouvido esperando o sono chegar. Meu coração apertou. Como alguém pode sentir saudades de um ano como este? Em que vimos nossos projetos adiados, nossos abraços distanciados, nossa convivência com as pessoas queridas resumida a quase nada. Em que vimos tantas vidas indo embora, tanta gente em dificuldade. Em que, nós, adultos, tivemos que reinventar a rotina de casa e do trabalho, cansamos, explodimos, pensamos que não íamos dar conta, respiramos fundo, percebemos que daria tudo certo, voltamos a cansar em um ciclo que parecia infindável. Em que vocês, crianças, foram privadas daquilo que movia as suas vidas: a escola, os amigos, os professores, a convivência, as brincadeiras. Eu me perguntei: como assim?

Mas, depois de algum tempo, eu entendi. Eu compreendi do que estavas falando que sentirias falta. Apesar de toda essa loucura, esse foi um ano de muito afeto, de ressignificação, de darmos mais valor ao que não queremos perder de jeito nenhum e menos importância àquilo que não faz tanta falta se perdermos. Foi um tempo de ficarmos juntos como nunca antes. De aturarmos as faltas uns dos outros com resiliência e fortalecermos nosso olhar sobre as qualidades. De dar e receber amor ininterruptamente, 24 horas por dia, mesmo em meio a um pouco de choro, desordem ou impaciência, claro, porque ninguém é de ferro e esse ano testou toda a nossa capacidade de equilíbrio.

Eu entendi, filho, que tuas saudades vão ser dessa conexão que estabelecemos esse ano. Das mãos dadas, das pernas entrelaçadas e dos abraços no meio da aula, no meio da tarde, no meio do trabalho. Das noites de cineminha com pipoca quase sem hora pra acabar, porque, “sabe, esse ano é atípico, vamos abrir uma exceção”. É até engraçado como algumas exceções se transformaram em rotina e percebemos que não é tão grave assim afrouxarmos um pouco as regras. 

Não dá para negar, foi difícil. Foi um leão por dia. Foi pesado, desesperador em alguns momentos. Mas também veio despertar uma força, mostrar nossa capacidade de superação, reafirmar o poder da nossa união. E quando tu falas que eu não posso reclamar de 2020 porque nós “nos abraçamos muito neste ano”, tens toda razão, meu filho. Esses abraços salvaram cada um dos meus dias de medo, de preocupação, de desânimo e de exaustão. Pode até ser que eu não tenha percebido na hora. Mas, agora, eu me dou conta disso. 

Que possamos todos enxergar esse ano com o teu olhar. 

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